terça-feira, 15 de junho de 2010

A vitória da África?

Agências e veículos estão comemorando de todas as formas a Copa. Sei que é desnecessário dizer, mas a causa disso é o aumento de suas receitas diante das campanhas de marketing que pegam carona no amor que o brasileiro tem pelo futebol.

Essa felicidade é exaltada de várias formas. Na capa da edição especial da Revista Época lê-se: A vitória da África, qualquer que seja o resultado, organizar a Copa do Mundo pela primeira vez é um triunfo para o mais pobre dos continentes. Li a revista do início ao fim e não achei nenhuma explicação para essa afirmação, muito pelo contrário, os textos mostram uma apuração superficial sobre a situação do país sede dos jogos. Talvez essa superficialidade seja proposital, visto que esses meios de comunicação também ganham com a globalização.

Explico: na reportagem dos jornalistas André Fontenelle e Letícia Sorg é elencada as vantagens e desvantagens do Brasil em relação à África do Sul no tangente à realização da Copa. O Brasil ganha em alguns quesitos, como menor desigualdade social e IDH mais elevado, entretanto, perde porque, entre outras razões, é menos aberto à globalização. O que não foi apurado (ou talvez tenha sido, o que caracterizaria parcialidade na apresentação dos dados) é que eles só nos ultrapassaram no quesito desigualdade social depois do fim do apartheid, ou seja, quando o país se abriu para o Fundo Mundial Internacional e demais instituições globais.

A globalização só fez piorar a vida dos mais pobres daquele país. Depois que Nelson Mandela assumiu a presidência também piorou a perspectiva de vida e salário dos sul-africanos negros.

A Época também não cita o fato da FIFA ter proibido a construção de estádios em comunidades pobres, que traria diversas melhorias em infraestrutura para a população, como asfalto e saneamento básico. Segundo a Federação, o mundo quer ver lugares bonitos durante os jogos, e não pobreza. A periferia recebeu apenas campos de treinamento de algumas seleções, as obras mais significativas foram realizadas em bairros ricos (fonte).

Mas nem todos os veículos escondem ou mascaram os fatos. Exemplo disso é a matéria citada a seguir, publicada na Folha.com, que mostra para onde os pobres foram empurrados para ficar longe do alcance dos olhos do resto do mundo. 

A 30 km do novíssimo estádio de Green Point, o assentamento improvisado de Blikkiesdorp está separado da Cidade do Cabo pela enorme pista do também novíssimo aeroporto local. Parece feito sob medida para não ser visto pelos milhares de torcedores que rumarão direto do terminal de desembarque para as muitas atrações da cidade mais turística do país da Copa do Mundo.

Para seus 3.000 residentes, a Copa é uma maldição. Por causa do evento, dizem, foram removidos das áreas centrais da cidade e jogados no que chamam de "depósito de gente", ou "campo de concentração".

O local é cercado por grades. Os moradores vivem em barracos de zinco de 18 m2, em que o forro do teto é feito de plástico-bolha e o piso é um adesivo imitando lajotas. As paredes, de tão finas, podem ser cortadas por tesouras, e oferecem proteção mínima contra o frio e a chuva. No verão, o lugar queima.


Esse tipo de "distrito" (também chamado de campos de concentração por seus habitantes) é comum em outros lugares do mundo, como na Indonésia, que reclusou centenas de famílias de pescadores em depósitos semelhantes para que grandes hotéis e resorts construissem nas praias sem a presença indesejada dos pobres e seu insuportável cheiro de peixe que incomodava os hóspedes (fonte).

Mas não se iluda achando a Folha mais imparcial que a Época. A divulgação desses depósitos de seres humanos não motivará em nada uma mudança na postura das pessoas ao redor do mundo, todas elas continuarão construindo subterfúgios que as tirarão da dissonância cognitiva que questiona suas vidas, ficando sempre numa zona de conforto.

O filme sul-americano Distrito 9 mostra uma dessas áreas, substituindo os pobres negros por alienígenas, fazendo uma clara analogia com a atual situação daquele país. Veja o trailer abaixo.



Mais uma vez sinto que é importante ressaltar: não estou fazendo nenhum tipo de julgamento de valor ou moral. Tudo que quero é mostrar o outro lado da moeda do que nos é mostrado pela mídia tradicional, para que nós, profissionais de marketing, tomemos decisões baseadas em nossos princípios, evitando a manipulação.

Em um próximo texto farei um comentário mais aprofundado sobre a situação da África do Sul pós apartheid.

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